Uma mãe deixa o filho na “roda dos expostos de um orfanato” (Gravura anônima. Fonte: The Wall Street International Magazine).
Pessoas que nos permitiram estar aqui hoje
No ano de 2002, eu publiquei o site www.ortensi.com, com a história do meu bisavô, Giovanni Ortensi, que imigrou da Itália para o Brasil no final do século XIX. As informações da biografia de Giovanni foram obtidas a partir de documentos recuperados na Itália por seu neto (meu tio) Odair Leonel Ortensi, e complementadas por entrevistas feitas com pessoas que conviveram com Giovanni, como seu filho Leonel Ortensi (meu tio-avô) e netos, Luiz Eduardo Ortensi (meu pai) e Virgínia Câmera (minha tia). Escrever os artigos deste site me fez pensar na coragem e nos desafios de pessoas de deixam sua terra natal para buscar melhores condições de vida para suas famílias em terras distantes. A página inicial do site traz uma reflexão sobre isso no texto de abertura, que transcrevo a seguir:
“A vida é o nosso maior tesouro, mas é passageira. Vivemos em busca dos nossos sonhos e nossos alvos, alguns conquistados, outros tantos não. Um dia, por fim, vem a morte, o único evento comum a todos os humanos, que iguala reis e plebeus, burgueses e camponeses, ricos e pobres. De cada vida restam as obras e as memórias. Alguns, poucos, constroem obras que ficam e marcam o seu nome para a posteridade. Outros, de fato, a maioria, viverão apenas na memória dos seus filhos, que por fim também se vão, assim como os netos, bisnetos… e a névoa do passado acaba por encobrir a história daqueles a quem devemos nossa existência. Porém, desde o maior conquistador ao mais humilde lavrador, todo ser humano que vive dignamente do seu trabalho e com ele oferece aos seus filhos a valiosa oportunidade de existir, merecem o reconhecimento e a admiração das gerações futuras. As suas vidas, com todos os seus sonhos, emoções, dificuldades, conquistas, alegrias e tristezas, fazem parte da aventura que permitiu estarmos aqui hoje. Se deixarmos que as suas memórias morram, enterraremos uma parte de nós mesmos — uma parte que está em nossos genes, nossa aparência e nossa personalidade.”
Este texto contém uma reflexão sobre os nossos ancestrais, aos quais devemos nossa existência, e sua inspiração veio de um aspecto peculiar da história de meu bisavô, Giovanni: ele era órfão. Foi deixado na “roda dos expostos” *[vide nota no final da página] do orfanato de Rovigo, próximo a Veneza.
Quem foram eles?
Quem foram os pais de Giovanni? Eram meus trisavós, mas não há nenhuma informação disponível sobre eles. Mesmo assim, eles estão presentes, em meus genes e, certamente, em vários aspectos da minha aparência e minha personalidade. Enfim, eles são parte de mim.
Desde que eu soube da história de Giovanni, esses pensamentos germinaram em minha mente e, no ano de 2021, afloraram com a inspiração de escrever uma história para ‘criar’ os pais desconhecidos dele. Uma mistura da vida real com a ficção, cujo objetivo, além do entretenimento que uma boa história deve proporcionar ao leitor, é levá-lo à reflexão sobre o valor daqueles a quem devemos o privilégio único de ‘estarmos aqui’.
“A roda e a medalha” tem uma mensagem subliminar: Nós não devemos julgar as motivações das pessoas, sem conhecer os fatos. Deixar um filho em uma roda no muro de um orfanato, pode parecer um ato de desprezo e crueldade. Mas, quem sabe quais circunstâncias levam alguém a fazer isso? Ao ler o romance, você terá uma versão do que pode ter acontecido. Uma versão poética, romântica, dramática e, sim, fictícia. Mas, antes de tudo, possível. O objetivo filosófico da trama, aqui, é: não julgue sem conhecer os fatos.
Outra mensagem que o livro pretende transmitir ao leitor é: dê valor ao que os seus pais fazem por você. Bisavós e trisavós podem parecer pessoas distantes de você. Mas, seus bisavós foram os pais de seus avós e, para eles, eram as pessoas mais próximas. Como seus avós são de seus pais e seus pais de vocês. O salto de gerações não enfraquece o elo de uma geração para outra e, portanto, não devemos ignorar o valor do que ancestrais distantes fizeram por nós. Sim, por nós… por você!
Espero que a leitura de “A roda e a medalha” deixe essas mensagens evidentes para você. E espero que, depois de refletir sobre isso, se esforce em saber quem foram seus ancestrais, não importa até onde você conseguir voltar no passado para saber quem foram. Dê valor a eles, a começar por seus pais. Mesmo sendo pessoas com falhas, seu pai e sua mãe te deram a vida, e a vida tem muito valor. Por isso, retribua a eles esse valor, no mínimo, com respeito e gratidão, por você existir.
* As “rodas dos expostos” eram rodas giratórias colocadas na parte externa de orfanatos, onde os bebês eram deixados anonimamente e foram comuns na Europa, especialmente na Itália, durante o final da idade média. Essas rodas deixaram de ser usadas apenas no final do século XIX. A imagem no início da página é uma que mostra uma mãe deixando seu bebê em uma dessas rodas (Gravura anônima obtida de Wall Street International Magazine).