Eu sempre me considerei um ávido ‘leitor’ e, desde a infância, graças à sabedoria do meu pai que me dava livros como presente, li os maiores clássicos da literatura. Mas, ser um ‘escritor’, de ‘livros de verdade’? Eu não me considerava à altura de tal desafio. Até que…

Em plena Pandemia de Covid-10, uma inspiração

Eu e minha esposa, Rosana, curtíamos uma tarde de sábado. Era, segundo me lembro (e depois confirmei no calendário) o dia 25 de setembro de 2021 e estávamos em plena pandemia de Covid-19.

Rosana e eu seguíamos à risca o ‘lockdown’ em nossa chácara. O almoço já tinha ido, e a preguiça boa de uma tarde ensolarada me empurrou, como sempre, para minha a rede, balançando suavemente em nosso cantinho de descanso, com vista para as árvores. O assunto, naquele dia, eram as viagens que pretendíamos fazer quando toda aquela loucura passasse.

— Eu quero pelo menos duas semanas num resort all-inclusive — dizia Rosana. — Quero ver gente, movimento e muita comida e bebidas boas.

— Ok, combinado! — concordei — E eu quero sair deste frio e ir para um lugar quente. E se repetíssemos Maragogi?

— Feito! — respondeu ela, animada.

— Mas, depois, vamos para a Itália — emendei. — Não quero mais adiar esta viagem e meus planos de andar pelas terras de onde veio a minha família. Assim que terminar as restrições da Covid, eu vou retomar o processo da cidadania. Se nos planejarmos bem, posso fazer meu trabalho em home office da Itália, para ficarmos os dois meses que o processo exige.

— Sim, vamos fazer isso — concordou Rosana. — No caminho, passamos pela França para pegar os documentos e dicas com suas primas, filhas do tio Odair.

A menção do tio Odair me trouxe um sorriso. Ele era o irmão mais novo de meu pai e foi quem, depois de se mudar para a Itália, conseguiu desvendar o passado da nossa família. Infelizmente, o tio Odair já faleceu, mas, em nossas inúmeras conversas ao redor da mesa com a família, ele sempre foi uma fonte inesgotável de histórias.  E conforme eu repassava essas memórias, comecei a relatar para a paciente Rosana, creio que pela milionésima vez, as nossas conversas e a emoção na voz dele ao me contar sobre a busca pelos documentos do nosso ‘nonno’, Giovanni Ortensi, lá em Pádua, no quartel onde ele serviu o Exército. Aquelas lembranças eram vívidas, quase palpáveis. Era como se eu estivesse lá, revirando os papéis amarelados pelo tempo junto com ele.

De repente, enquanto eu falava, um pensamento acendeu na minha mente como uma lâmpada em um quarto escuro.

— Sabe, Rosana — eu disse, me erguendo um pouco na rede, — essa história daria um livro, não daria? Um belíssimo livro!

— Sim. Por que você não escreve um livro? — Rosana indagou, com a praticidade e a confiança que só ela tem.

Um ‘click’ ressoou dentro de mim. A verdade é que eu sempre fui fascinado pela vida do meu bisavô, Giovanni. Desde criança, ouvi inúmeras vezes as mesmas frases da boca de meu tio Leonel, filho do próprio Giovanni, e de seus netos: meu pai, Luiz, minha tia Virgínia e o tio Odair. Eles diziam: “Ele foi deixado na roda giratória de em um orfanato, em algum lugar perto de Pádua. Nunca conheceu os pais. Era filho de ‘nessuno nessuno’…”

Aquelas palavras que em italiano significavam “filho de ninguém e ninguém”, sempre me intrigaram. E a história da ‘roda’ no muro do orfanato, onde ele foi deixado, era um detalhe que ficou gravado na minha memória. Lembro-me até da novela “Terra Nostra”, que passava na TV na virada do século, e falava justamente desses órfãos deixados nas rodas pelos imigrantes italianos. Aquilo dava vida à história do nosso ‘nonno’.

A ideia, então, surgiu como um lampejo: e se eu escrevesse um livro mesclando realidade e ficção que ‘criasse’ os pais de Giovanni? E imaginasse as circunstâncias que os levaram a tomar a dolorosa decisão de deixá-lo no orfanato? O coração acelerou só de pensar.

Porém, escrever um livro parecia algo além das minhas capacidades. Não que eu duvidasse da minha competência para expressar ideias por escrito. Pelo contrário, sempre fui um leitor voraz e, como se sabe, ler muito é o primeiro passo para escrever bem. E eu escrevi muito, em minha carreira em tecnologia. Eram escritos técnicos, como apostilas, apresentações e manuais de usuários dos sistemas que eu desenvolvi. E sempre recebi elogios pelos meus textos, especialmente sobre a clareza, a concisão e o engajamento na leitura. Além dos textos técnicos, minha maior ‘obra’ literária foi escrever os artigos do site com a biografia de Giovanni Ortensi, que eu publiquei em 2002, com base nos documentos obtidos pelo tio Odair. (Acesse esse site em www.ortensi.com).

Mas ser um ‘escritor’… de ‘livros de verdade’, especialmente ficção… isso era algo bem diferente. Era como me colocar ao lado de gigantes como Júlio Verne, Daniel Defoe, Mark Twain, Machado de Assis, José de Alencar… não, eu não tinha esse cacife.

Mas a ideia, como uma semente plantada em solo fértil, ficou ali, germinando. Dia após dia, ela fervilhava na minha mente, ganhando força. Até que, um dia, resolvi ‘brincar’ e comecei a escrever a ficção sobre os pais do ‘nonno’ Giovanni. Uma frase, um parágrafo, um capítulo. E outro. Depois de terminar, eu relia e custava a acreditar que aquilo tinha saído da minha cabeça. Eu estava criando ficção! Como os grandes mestres, cujos livros embalaram minha infância. E, mesmo muito longe da pretensão de sequer me imaginar escrevendo no mesmo nível dos grandes, o que eu fiz foi o que eles faziam. Criar! Dar vida a personagens. Imaginar e preencher cenários com cores, sons e sensações. Decidir sobre o destino das histórias. A experiência de escrever ficção é fascinante. E eu me fascinei por completo.

Guardei aquele segredo no pequeno universo particular da minha mente, por alguns dias. Até que a coragem, ou talvez a necessidade de compartilhar, me impulsionou a dar o próximo passo. E, claro, a primeira pessoa a saber seria Rosana, minha companheira e incentivadora em todos os momentos. Narrei os capítulos que havia escrito, observando sua reação. Ao terminar, o silêncio durou apenas um instante, até que ela sorriu e disse, com a mesma simplicidade de antes:

— Ei, você leva jeito para a coisa!

Naquele instante, minha vida mudou. Um novo caminho se abriu, e eu sabia que não haveria volta.

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